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Polícia do Egito invade e fecha ONGs acusadas de 'traição'

O Conselho Supremo das Forças Armadas do Egito, órgão responsável pela transição no Egito após a queda da ditadura de Hosni Mubarak, deu uma mostra nesta quinta-feira (29) de seu pouco apreço pela democracia. A mando do SCAF, como o conselho é conhecido por seu acrônimo em inglês, promotores públicos, apoiados por policiais e militares, invadiram e fecharam os escritórios de cinco organizações não-governamentais que atuam no Egito, prendendo temporariamente os empregados das ONGs e confiscando documentos, computadores e telefones celulares. Entre as ONGs afetadas estão dois institutos ligados aos partidos Republicano e Democrata, os dois principais dos Estados Unidos.
As invasões ocorreram de forma quase simultânea nos escritórios das cinco ONGs. Duas delas são egípcias, o Centro Árabe pela Independência da Justiça e das Profissões Legais e Observatório Orçamentário e de Direitos Humanos. As outras três são americanas – o Instituto Nacional Democrata e o Instituto Republicano Internacional, ligadas aos partidos dos Estados Unidos, e a Freedom House, baseada em Washington e conhecida por seu trabalho de monitoria das democracias pelo mundo. Segundo a Mena, a agência oficial de notícias do governo do Egito, as cinco ONGs, e outras 12 que ainda não foram invadidas, são investigadas por receber financiamento de governos estrangeiros de forma ilegal. Segundo uma lei de 2002, as ONGs precisam receber autorização do Ministério de Solidariedade Social do Egito antes de começarem a receber financiamento externo.
Segundo o jornal The New York Times, os dois institutos ligados aos partidos políticos atuam no Egito desde 2005, monitorando as eleições. A ONG do Partido Republicano divulgou nota afirmando ser "irônico" o fato que "mesmo durante a era Mubarak" a organização "não era sujeitada a ações tão agressivas". Kenneth Wollack, diretor da ONG democrata, afirmou que a ofensiva contra "organizações cujo único objetivo é apoiar o processo democrático" é um "sinal perturbador". Em seu site, a Freedom House, condenou a invasão e afirmou que se tratava de um "ataque sem precedentes contra organizações da sociedade civil internacional e seus parceiros locais egípcios". David J. Kramer, o presidente da ONG, fez duras críticas ao SCAF e afirmou que as ações fazem parte de uma "intensa campanha" para desmantelar a sociedade civil egípcia. "É a mais clara indicação até aqui de que o SCAF não tem intenção de permitir o estabelecimento de uma democracia genuína e está tentando tratar a sociedade civil como bode expiatório por sua abismal falha em administrar a transição egípcia de forma efetiva".
O senador americano John McCain, que perdeu a eleição de 2008 para Barack Obama, divulgou uma nota se dizendo "profundamente preocupado" com a ofensiva contra as ONGs. McCain afirmou que teve "excelente relação" com os militares egípcios antes, durante e depois da revolução que derrubou Mubarak e que considera a ação "injustificada". "Esses abusos, junto com a crescente violência contra demonstrações pacífics nas últimas semanas, são reminiscências das práticas do regime de Mubarak".
O fechamento das ONGs se dá após diversas afirmações por parte dos militares de que "mãos estrangeiras" estão por trás dos protestos que foram realizados diversas vezes nos últimos meses contra o SCAF, motivados pela recusa dos militares de transferir o poder para um governo civil e pela incapacidade do governo militar de aplicar reformas que a população exige. Em setembro, o Ministério da Justiça do Egito divulgou um relatório afirmando que 30 ONGs estavam recebendo financiamento ilegal do exterior e o ministro da Justiça, Mohamed Abdel Aziz al-Guindi, afirmou que elas seria processadas por "traição" por "mandarem informações sensíveis para agentes estrangeiros". Ao jornal Egypt Independent (antes chamado de Al-Masry Al-Youm), o advogado dos direitos humanos Negad El Borai afirmou que a ofensiva contra as ONGs era esperada como "resultado pela posição dessas organizações contra os militares". Segundo El Borai, a ofensiva certamente terá um impacto negativo na atuação dessas ONGs, mas ainda não é possível "ter certeza sobre quão ruim será".

Por Época